sexta-feira, 3 de agosto de 2012

REFLEXÃO SOBRE A HISTÓRIA DA PSIQUIATRIA

HISTÓRIA DA PSIQUIATRIA

 Nau dos insensatos

Introdução:

Foi através da sociedade grega, há cerca de 600 anos antes de Cristo, que se obtiveram os primeiros relatos sobre a loucura, pois faziam uma leitura da realidade para construir o pensamento, organizando-se em categorias, criaram a medicina no âmbito do saber, reconhecendo as doenças do homem como sendo próprias do homem e não do divino, como até então se pensava ser5.
   Com a entrada do Cristianismo surge uma outra forma de ver a loucura. Com o rompimento entre o místico e o racional, paulatinamente, a loucura vai se afastando do seu papel de portadora da verdade e vai se encaminhando em uma direção completamente oposta. A loucura já não é mais porta-voz da verdade divina e em pouco tempo passará a ocupar o lugar de representante simbólico do mal5.
    Na Idade Média, sai o leproso entra o louco, encarnando o mal e representando o castigo divino, a lepra se espalha rapidamente causando pavor e sentenciando seus portadores à exclusão. Entretanto, com o fim das Cruzadas e a ruptura com os focos orientais de infecção, a lepra retira-se, deixando aberto um espaço que vai reivindicar um novo representante. 
     Alguns séculos depois, essas estruturas de exclusão social passam a ser ocupados pela figura do louco. Portanto nesta época, a loucura encontrava-se no “não lugar”, não pertencia à religião e nem ao saber, não havia uma classe que detinham um conhecimento da loucura5.
    No final da Idade Média retoma-se o princípio da Racionalidade, o Iluminismo é a retomada da consciência do pensamento grego, é a separação entre a produção de conhecimento e a fé. 
      O século XVIII vem definitivamente marcar a apreensão do fenômeno da loucura como objeto do saber médico, caracterizando-o como doença mental e, portanto, passível de cura. É o século das Luzes, onde a razão ocupa um lugar de destaque, pois é através dela que o homem pode conquistar a liberdade e a felicidade. Foi necessária a criação de um espaço que recolhesse das ruas aqueles que ameaçavam a paz e a ordem sociais (marginais, prostitutas, idosos, doentes, Loucos), surgindo assim os Hospitais Gerais5.
           Philippe Pinel vê a loucura como uma doença, que precisa de uma sistematização de conhecimento para ser tratada. Cria-se uma categoria de especialidade médica, a Psiquiatria, e junto nascem os primeiros Manicômios com a finalidade de segregar para um possível tratamento5.
            Pinel é o primeiro representante do médico psiquiatra, com um tratamento moral, ou seja, buscava a mudança de comportamento, não queria saber a causa da loucura mais sim transformá-la em objeto de discurso da razão, pensamento ordenado, trazer para a ordem da razão. Ele tira os loucos das ruas, da sua liberdade, para serem confinados nos manicômios. A história da loucura começa da sociedade Grega e vai até o século XVIII, e daí por diante começa a história da psiquiatria, que foi uma criação de Pinel1.
     A partir dessa nova forma de vivenciar a condição humana, estabeleceu-se “o diferente”, aquele que não segue o padrão de comportamento que a sociedade define. O doente mental, o excluído do convívio dos iguais, dos ditos normais, foi então afastado dos donos da razão, dos produtivos e dos que não ameaçavam a sociedade. Tratar do doente mental foi então sinal de exclusão, reclusão e asilamento3.
A evolução da psiquiatria é uma parte da evolução da civilização, e sua história teve início quando se tentou aliviar o sofrimento de um “homem”, através do saber médico psiquiátrico. A psiquiatria se apresenta como resultado do amplo processo histórico da progressiva dominação da “loucura” pela razão, o que culminou na sua transformação em doença mental2.
        Historicamente, o hospital psiquiátrico assumiu a conotação de “espaço de tratamento” aos chamados loucos, os quais, reclusos nessas instituições, eram submetidos aos mais diversos tipos de violência (repressão, maus-tratos, negligência), resultando na negação de sua condição de sujeito1.
        “Manicômio é sinônimo de um certo olhar, de um certo conceito, de um certo gesto que classifica desclassificando, que inclui excluindo, que nomeia desmerecendo, que vê sem olhar”1.

Desenvolvimento:

            A Psiquiatria como ciência:

    Os Hospitais transformam-se em instituições médicas pela ação da disciplina e da organização dos médicos.
       Em 1793, Pinel assume a direção de uma instituição pública de beneficência, fundando o primeiro hospital psiquiátrico da história. A doença mental para Pinel é um problema de ordem moral e seu tratamento é através do isolamento e observação de sintomas, ele então cria três blocos de classificação clínica:

- Nosografia: Classificação das doenças através do comportamento.
- Nosologia: Descrição das doenças, forma como o comportamento se expressa.
- Psicopatologia: Alterações das funções mentais.  
  
      O doente mental é para a ciência objeto de saber, discurso e prática, é o primeiro e mais importante passo histórico para o início dos tratamentos nos hospitais que deixam de ser sociais e filantrópicos.
   Com a Revolução Francesa, surgem as primeiras críticas ao caráter fechado dos Hospitais Psiquiátricos. A Revolução Francesa traz o conceito de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.       
       Há então a necessidade de criar um modelo de tratamento dentro da tradição Pineliana, surge a Colônia de Alienados.
     Neste contexto o doente mental permanecia internado, mas em um regime de portas abertas para uma maior liberdade, o tratamento consistia no resgate da razão através da “ilusão de liberdade”.
      As colônias atualizavam o compromisso da psiquiatria com a realidade do contexto sócio histórico da época, ampliando a importância da psiquiatria perante a sociedade e neutralizado as críticas feitas ao hospital tradicional. No entanto no decorrer dos anos, as colônias não se diferenciarão dos asilos pinelianos.


   Em 1870, o médico Sigmund Freud, entra na Psiquiatria observando as teorias de Charcot, médico francês que desenvolveu a teoria da hipnose. Após muito observar os métodos de Charcot, Freud questiona o motivo pelo qual, as pessoas não se curavam com o tratamento hipnótico. Freud então percebe que o inconsciente se constitui a partir da falta, ou seja, o homem está sempre em falta e deseja ter o que não tem. Desejar é uma condição para que o homem esteja no mundo. Freud conclui que a doença psiquiátrica é a falta do desejo.
   Desta forma Freud desconstroi o discurso cartesiano da racionalidade, que seria a verdade total, passando a pregar o inconsciente, ou seja, “existo onde não penso”. Sendo assim, o inconsciente de cada um é marcado por pequenas verdades, e o inconsciente é à base da vida psíquica e é onde está a verdade dos homens, Freud traz a loucura para o estatuto da verdade.
    O período pós-guerra se tornou referência para os projetos da reforma psiquiátrica contemporânea, atualizando críticas e reformas da instituições asilares. 
    Devido à mobilização da população contra o hospital psiquiátrico chamado de manicômio, associado a uma câmara de torturas, com supressão da liberdade de expressão individual de pessoas originais; os médicos psiquiátricos foram associados a torturadores e agentes do sistema anti-direitos de cidadania, foi criado então, um conjunto de reformas, denominadas como Psiquiatria Reformada para a reformulação desses manicômios4.


      A Psiquiatria Reformada foi organizada devido aos itens subseqüentes: as comunidades terapêuticas, a psiquiatria de setor, a psiquiatria preventiva ou comunitária, a antipsiquiatria, e a psiquiatria democrática italiana.
     As comunidades terapêuticas tiveram início no pós-guerra (1959), na Inglaterra. É iniciada devido às péssimas condições dos hospitais psiquiátricos e a pressão exercida pela população que não tolerava mais lembranças dos campos de concentração nazistas. Os objetivos dessas comunidades foram: 
- Recuperação da mão de obra invalidada pela guerra (danos psicológicos, físicos e sociais); 
- Transformação do doente mental pelo trabalho; 
- Promoção de sua re-socialização pela integração em grupos de discussão e de atividades; 
- Aperfeiçoar a comunicação entre hospital e comunidade externa demonstrando ser possível o tratamento de alguns doentes fora do manicômio (aproximação contra a segregação)1.
    
     A psiquiatria de setor inicia-se na França no pós-guerra como movimento de contestação ao modelo asilar e como forma de desonerar os cofres públicos. Priorizou o tratamento do paciente em sua própria comunidade dividindo territórios em setores geográficos, onde cada setor tinha uma equipe de técnicos responsáveis pelo tratamento, prevenção e a pós cura dos doentes mentais. A função do hospital psiquiátrico era auxiliar o tratamento nos momentos de crise (internação)1.
      A psiquiatria preventiva ou comunitária nasceu nos EUA em 1955 após censo que denunciava as péssimas condições da assistência psiquiátrica. O presidente Kennedy assina um decreto que redireciona os objetivos da psiquiatria que passa a ser a redução da doença mental nas comunidades inaugurando um novo território para a psiquiatria: de doença mental para a saúde mental. Buscava a prevenção de doenças mentais através de sua detecção precoce (prevenir e erradicar os males da sociedade); procurava conhecer hábitos, identificar vícios, mapear aqueles com vida desregrada. A busca era feita através de questionários distribuídos a população e seu resultado indicava os candidatos ao tratamento psiquiátrico. 

Existiam três níveis de prevenção: Primário, intervenção nas condições possíveis de formação da doença mental; Secundário, intervenção que busca a realização de diagnóstico e tratamento precoce da doença mental; Terciário, busca pela readaptação do paciente à vida social após sua melhora1.
        
A antipsiquiatria surgiu na década de 60 na Inglaterra, iniciada por psiquiatras influenciados pelo movimento “underground” (pacifismo, misticismo, movimento hippie). As referências culturais destes profissionais eram as obras de Foucault, a sociologia e a psicanálise e sua principal crítica eram relacionadas a cronificação causada pelo asilo, a ordem social e familiar. Foi a primeira crítica radical ao saber médico psiquiátrico e denunciava a prática vigente. 

A loucura é vista por eles como um fato social e não patológico: o louco é vítima da alienação geral tida como norma e é segregado por contestar a ordem pública. O tratamento da loucura não prevê tratamento químico ou físico e deve ser feito através do discurso (delírio)1.
      
      A psiquiatria democrática italiana teve início na década de 60 no manicômio de Gorizia, com um trabalho de humanização do hospital desencadeado por Franco Basaglia. Foi um confronto ao hospital psiquiátrico, ao modelo de comunidade terapêutica inglesa e a política de setor francesa, mas conserva destas, o princípio de democratização das relações e a idéia de territorialidade. Basaglia vai para Trieste em 1971 onde dá início a um processo de desmontagem do aparato manicomial e da constituição de novos espaços e formas de lidar com a loucura: 
- Foram construídos sete centros de saúde mental: um para cada área da cidade abrangendo de 20 a 40 mil habitantes com funcionamento 24 horas, sete dias da semana; 
- Foram abertos residências para usuários, algumas vezes para morarem sós ou acompanhados por técnicos ou voluntários; 
- Organizaram cooperativas de trabalho: espaços de produções artísticas, intelectuais ou de prestação de serviços; 
- Abriram o Serviço de Emergência Psiquiátrica com leitos interligados em rede com as residências, centros de saúde e cooperativas: primeira noção de rede assistencial. Em 13 de maio de 1978 foi aprovado o projeto de lei que revoga a legislação psiquiátrica anterior de 1904 e reconhece o movimento da Psiquiatria Democrática (Lei Basaglia)1.
    No entendimento da Reforma Psiquiátrica, o portador de sofrimento mental passa a ser considerado um sujeito, portanto, não se trata de enquadrar o portador de sofrimento mental aos padrões socialmente aceitos, mas pensar a cidadania em termos que considerem aspectos particulares e singulares de cada caso5.

Exige que, de fato haja um deslocamento das práticas psiquiátricas para práticas de cuidado realizadas na comunidade. A questão crucial da desinstitucionalização é uma “progressiva devolução à comunidade da responsabilidade em relação aos seus doentes e aos seus conflitos”. O que se espera da reforma psiquiátrica não é simplesmente a transferência do doente mental para fora dos muros do hospital, “confinando-o” à vida em casa, aos cuidados de quem puder assisti-lo ou entregue à própria sorte.    
Espera-se, muito mais, o resgate ou o estabelecimento da cidadania do doente mental, o respeito a sua singularidade e subjetividade, tornando-o sujeito de seu próprio tratamento sem a idéia de cura como o único horizonte assim, a autonomia e a reintegração do sujeito à família e à sociedade. 
Espera-se que a superação das contradições impulsione um progressivo movimento de transformação da práxis dos profissionais da saúde e dentre estes especialmente a enfermeira / o enfermeiro de saúde mental para que se alie a família que cuida do doente mental ajudando-a no cuidado de si e dos doentes mentais. 
Essa mudança trouxe a idéia de clinica como pratica que busca um novo lugar para a loucura, com menos rigidez e que retira a clinica da Saúde Mental de sua tradicional função de controle social3,5.

Conclusão
Os portadores de sofrimento mental sempre existiu. Em diferentes épocas, foram admirados, temidos, torturados, ridicularizados, porém quase nunca curados
Na construção do estudo sobre a trajetória da loucura, chegando a Reforma Psiquiátrica, concluímos que necessitamos de explorar profundamente este fato histórico para o desenvolvimento das práticas de saber lidar com o “outro”.
A oportunidade de conhecer o nascimento da Psiquiátrica, possibilita atuar nos ajustes e inserção do doente mental na sociedade e no auxílio da família, durante a reintegração social.
Concluímos que a Reforma Psiquiátrica foi um processo que passou por muitas transformações, mas que cresce para um lado bem positivo para os portadores de doença mental, pois esta na tentativa de dar ao problema mental uma outra resposta social e não mais asilar. 
Os objetivos estão sendo alcançados ainda que haja muito por fazer. Entendemos que a equipe de saúde não podem se colocar à margem desse processo de mudança. Isso implica inclusive na coragem em sistematizar e refletir teoricamente sobre a prática dos profissionais e os instrumentos que estamos construindo para lidar com a loucura no cotidiano.

Referência

1. AMARANTE Paulo, Loucos pela Vida: A Trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil, Ed. Fiocruz, 2ª edição, Rio de Janeiro, 1998.

2. DESVIAT Manuel, A Reforma Psiquiátrica, Ed. Fiocruz, Rio de Janeiro, 1999.

3. GONÇALVES, A. M.; SENA, R. R. A reforma psiquiátrica no Brasil: Contextualização e reflexos sobre o cuidado com o doente mental na família. Rev. Latino-am Enfermagem 2001 março; 9 (2): 48-55.

4. SCHNEIDER Iraci, O Uso político da psiquiatria: a luta anti-manicomial, MidiaSemMascara.org, 2005.

5. SILVEIRA Lia C., BRAGA Violante A. B., Rev. Latino-Americana de Enfermagem, vol.13, n.4, Ribeirão Preto, 2005.